Boban - Uma bandeira croata






Boban já era reconhecido como um dos talentos mais interessantes na Iugoslávia até 1990, quando virou uma bandeira croata ao agredir um policial durante o dérbi mais violento entre Dinamo Zagreb e Estrela Vermelha, no Maksimir

Com um chute, Boban entrou para a história de seu país. Não como um agressor a uma autoridade, mas sim como símbolo de uma resistência aos novos e tenebrosos tempos que viriam pela frente. Na Croácia, suas convicções inspiraram todo um povo que teve muito sangue derramado em nome da independência. "A Croácia é minha razão de viver. Amo este país tanto quanto amo a mim mesmo. Morreria por esta nação", disse num documentário sobre os rumos de alguns dos atletas mais importantes da Iugoslávia no início da década de 90.

Campeão mundial sub-20 pela Iugoslávia em 1987, Zvonimir era visto pelos torcedores como uma peça importantíssima no Dinamo Zagreb. Conforme os anos passavam e as tensões políticas entre a Croácia e a Sérvia aumentavam, o até então menino sentia o clima pesado, a rejeição do outro lado do separatismo. 

Ele nunca foi bem um conservador, sempre defendeu os ideais do seu povo, os croatas que depois da morte do Marechal Tito sentiram a necessidade de buscar uma terra que não fosse tão hostil quanto a dividida com os sérvios. Em 1990, esse panorama era uma bomba relógio, uma crise civil prestes a estourar. Quando o plebiscito pela independência croata havia vencido uma queda de braço no parlamento iugoslavo, semanas depois o resultado teria impacto direto num dos principais clássicos do país. Dinamo Zagreb e Estrela Vermelha duelariam no Maksimir, em Zagreb. E mal sabiam os torcedores que o motim nas arquibancadas mudaria para sempre a história de suas nações.


Assim chegaram os dois times para o estádio, que mais parecia uma praça de guerra com cadeiras arremessadas de um lado para o outro, socos e pontapés entre torcedores e a polícia, parcial e opressora ao lado dos sérvios.

Foi neste momento que Boban saiu enfurecido dos vestiários antes do apito inicial, em defesa de seus compatriotas que eram agredidos em campo. Com um chute em um policial claramente mais armado e escoltado do que ele, o camisa 10 do Dinamo pintou um quadro do que foram aqueles anos de cólera nos Bálcãs. Suspenso pela federação iugoslava de futebol, Zvonimir não disputou a Copa de 1990, na Itália, meses depois.

Quem num dia chorou a morte de Tito, no outro derramava sangue e desferia rajadas de tiro para defender uma ideologia. Aos croatas, só interessava a liberdade, não importava o que isso iria custar. Era também o primeiro passo para a dissolução da Iugoslávia, que em sua terceira geração, cambaleou até 2003 com Sérvia e Montenegro em pé de guerra fria.

Em campo, Boban ia cada vez melhor. Cerebral e explosivo, o meia carregava a bola como se ela estivesse colada aos seus pés e enxergava sempre a melhor opção para passar aos companheiros. Exímio passador, cansou de fazer lançamentos longos por trás da defesa ou imaginar rotas de fuga para os atacantes que serviu.



 
Foram cinco anos de Dinamo até que uma saída se fez necessária. Iria para o Bari em 1991, mas como jogador do Milan, que não tinha espaço em seu plantel para mais estrangeiros. Era questão de tempo para que o prodígio croata vingasse no time rossonero. Rebaixado com os galletti, Boban deu uma mostra do que poderia apresentar no futuro e retornou à Milanello como grande valor.

Se encaixou muito bem ao Milan e por lá ficou durante nove temporadas, conquistando quatro vezes a Serie A e uma Liga dos Campeões. Foi fundamental na campanha bem sucedida do Diavolo na LC de 1993/94, especialmente na decisão/lavada contra o Barcelona por 4 a 0. Enquanto o Milan de Fabio Capello funcionava como uma máquina, Boban era um dos responsáveis por fazer a engrenagem da equipe completar seu giro.

Entre seus alvos preferidos no ataque, estiveram Marco Van Basten, Roberto Baggio, Jean-Pierre Papin, Daniele Massaro, George Weah e Andriy Shevchenko. Com eles, o rubronegro era um time completo e extremamente perigoso, pois nunca se sabia quando o camisa 10 iria tirar um coelho da cartola.

Assim como qualquer outro mortal, Boban também sofreu com lesões e a irregularidade em algumas temporadas. Nesse meio tempo, participou da Copa de 1998 e brilhou com a Croácia, numa participação que só foi interrompida pela campeã França numa semifinal inesquecível.

Todos que citarem a Copa de 1998 na França, certamente lembrarão de três coisas daquele torneio: o time campeão de Zinedine Zidane, a convulsão de Ronaldo e a Croácia, que foi muito mais longe do que suas previsões mais otimistas.

Um futebol tático, disciplinado e técnico, muito técnico. A começar por uma defesa sólida, um meio campo criativo e talentoso, terminando no ataque comandado pelo matador Davor Suker, a seleção axadrezada fez sua primeira participação em Copas dois anos após ir bem na Eurocopa, em 96. Sem sombra de dúvida se trata da geração mais consolidada na história do futebol croata e que até hoje ainda encanta os que a viram em campo.



Terceira colocada e com uma queda de certa forma injusta, a Croácia caiu apenas diante da França, dona da casa e que ainda iria demolir o Brasil na decisão. Aquele 2-1 jamais sairá da lembrança dos eslavos, que estiveram muito perto de embasbacar todo um planeta que não contava com a sua ascensão tão ligeira. No estádio Saint-Denis, Suker calou por alguns instantes a torcida francesa com um gol após o intervalo. A comemoração axadrezada não duraria mais que um minuto, quando Lilian Thuram igualou o marcador. Lesionado pouco antes do intervalo, Boban seguiu em campo no sacrifício até dar lugar a Silvio Maric, com 20 minutos do segundo tempo.

Um duelo franco e movimentado como todo fã de futebol sonha ver se desenrolou a favor dos mandantes, o que de forma alguma tirou o mérito dos valentes croatas que teriam merecido a vaga na final tanto quanto Zidane e seus companheiros. Ao menos Slaven Bilic conseguiu tirar Laurent Blanc da decisão, provocando a expulsão do zagueiro francês. Na disputa do terceiro lugar contra a Holanda, Suker se firmou como artilheiro daquele Mundial graças a um passe de Boban, na vitória por 2 a 1 dos croatas. O meia se aposentaria da seleção em 1999, num amistoso contra a mesma França.
 

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